1921-1930
26/1/1921: nasce Umberto, na Contrada Ghiandaro, filho de Vincenzo com Rosa Mazziotta. Seu nome foi em homenagem ao Rei Umberto I de Savóia e significa “brilhante pela força”. Humberto Filho conta que o cartório não queria registrá-lo assim por conta de ser nome do rei assassinado em 1900, mas Vincenzo ameaçou fazer o mesmo com o cartorário se não o registrassem dessa forma. Queria que o nome do filho tivesse relação com a dinastia Savóia, assim como Eugenio. Humberto conta ainda que, por um erro de datas, constava para o governo italiano que Umberto era desertor do serviço militar, mesmo sendo bebê. Chegaram até a ir buscá-lo em casa para prendê-lo, com um ano de idade! Umberto foi sapateiro, comerciário e faleceu em 1999, em São Paulo, aos 78 anos. Casou-se com Marina Thomaz no Brasil e deixou 4 filhos.
1921 A 1924: GOVERNOS AMERICANOS DE WARREN HARDING E CALVIN COOLIDGE RESTRINGEM FORTEMENTE A IMIGRAÇÃO AOS EUA
AO MESMO TEMPO, A LEI SECA POSSIBILITA A ASCENÇÃO DA MÁFIA AMERICANA, PERSONALIZADA NO GANGSTER DESCENDENTE DE ITALIANOS AL CAPONE. SEUS PAIS ERAM DE SALERNO, PRÓXIMA A NÁPOLES
11/6/1921: Giuseppe, filho mais velho de Vincenzo, então com 20 anos, migra para Buenos Aires, Argentina, no vapor Garibaldi, que partiu de Gênova com escala em Santos. Este era o principal porto de embarque para a América do Sul, enquanto Nápoles para a América do Norte, embora o que partia de um geralmente parava no outro para embarques. O que não foi o caso desse navio, pois os navios que rumavam para Buenos Aires só partiam do porto de Gênova, fazendo com que Giuseppe tivesse que atravessar toda a Itália de trem. Declarou-se casado, mas desembarcou sozinho, tendo amigos na cidade. Também se declara contadino como o pai e adota o nome de José.
A esposa Giovannina Formoso, que adotou o nome de Juana, migra pouco depois com dois filhos (Teresa e Vincenzo). Na Argentina, o casal teve mais 3 filhos no decorrer desta década: Emilio, Mario e Alfredo. Giuseppe se estabelece em Ciudadela, um reduto de italianos (cidade vizinha ao bairro de Liniers a oeste, fora da capital), no mesmo endereço onde hoje vive a neta Lucia, filha de Emilio. Parte dos filhos se estabelece depois no bairro próximo de Mataderos. Juana falece em 1959 e Giuseppe se casa novamente com Rosa (Rosita) em 1963. Falece em 1977, aos 77 anos. A família teve sérias desavenças na separação da herança, segundo a neta Etel, filha de Alfredo, que se suicidou devido a isso, em 1979.
Juana com os netos Alícia e Carmelo (filhos de Teresa) na Argentina, nos Anos 1950 (acervo da família)
Mario no Exército Argentino nos Anos 1940 (acervo da família)
Giuseppe pode ter escapado por pouco de servir na 1ª Guerra Mundial, pois a Itália recrutou nascidos até 1899, um ano antes dele nascer. Depois da 1ª Guerra, a Itália ainda se envolveu em diversos conflitos, por isso não se pode descartar a hipótese de ter “fugido” do serviço militar, pois completaria 21 anos apenas 4 meses depois de chegar a Argentina. Caso isso tenha ocorrido, não poderia mais regressar à Itália, por deserção.
Sob o governo do presidente Yrigoyen, o país vivia boa situação econômica (resultado das exportações pós 1ª Guerra), cultural e social, bem melhor que a do Brasil, o que possibilitava rápida ascensão social, especialmente aos mais jovens. Era a 6ª maior economia do mundo, superando Canadá, Austrália e a própria Itália.
Foi o país da América Latina que mais recebeu imigrantes italianos, com quase 3 milhões, embora muitos retornassem ao acordarem do sonho americano, assim como no Brasil. Quase metade vindos do Sul, especialmente da Calábria, que sofria com a pobreza gerada pelo pós 1ª Guerra, secas, consequências de terremotos e técnicas arcaicas de produção agrícola, que deixavam as terras improdutivas. Assim como no Brasil, imigrantes do norte preferiam áreas rurais da Argentina, enquanto os do sul, as grandes cidades. Como estes últimos foram a grande maioria, foi uma imigração portanto essencialmente urbana. O Papa Francisco I, cujo nome real é Jorge Mario Bertoglio, é filho de pai imigrante italiano.
1921: POPULAÇÃO DE BUENOS AIRES ERA CERCA DE 1.700.000 HABITANTES
1/9/1921: Angiolina casa-se em Mancino e tem três filhos com Michele Ambrósio, sendo a única dos filhos de Vincenzo a não sair da Itália.
Vincenzo com filha Angiolina e segunda esposa Rosa na Itália (entre 1918 e 1919, provavelmente logo após retornar dos EUA) (acervo da família)
1922: EM FEVEREIRO, OCORRE A SEMANA DE ARTE MODERNA EM SÃO PAULO, COM A PARTICIPAÇÃO DE MENOTTI DEL PICCHIA E ANITA MALFATTI, ARTISTAS DESCENDENTES DE ITALIANOS
NO MESMO ANO, UM MÊS DEPOIS, OS AERONAUTAS PORTUGUESES GAGO COUTINHO E SACADURA CABRAL FAZEM A PRIMEIRA TRAVESSIA AÉREA DO ATLÂNTICO SUL
EM JULHO, OCORRE A REVOLTA DOS 18 DO FORTE DE COPACABANA. MOVIMENTO BUSCAVA A QUEDA DA REPÚBLICA VELHA E FOI REPRIMIDO DURAMENTE PELO GOVERNO. FOI A PRIMEIRA REVOLTA TENENTISTA, QUE EM 1924 OCORRERIA TAMBÉM EM SÃO PAULO
EM SETEMBRO, OCORREM DIVERSAS COMEMORAÇÕES PARA O CENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL, COMO A EXPOSIÇÃO INTERNACIONAL DO CENTENÁRIO NO RIO DE JANEIRO
AINDA EM 1922, EM NOVEMBRO É DESCOBERTA A TUMBA DO FARAÓ EGÍPCIO TUTANCÂMON, PELO BRITÂNICO HOWARD CARTER
11/8/1922: morre Elvira, filha de Carlo Maria e prima de Vincenzo, aos 33 anos em São Paulo. Foi casada com Antonio Carrocini, tendo ao menos 5 filhos. Morou sempre no Cambuci.
9/10/1922: Vincenzo desembarca sozinho no porto de Buenos Aires, com paradas para desembarques no Rio de Janeiro e em Santos. Partia de Gênova, Itália, na viagem inaugural do vapor “Cesare Battisti” (em referência a um herói italiano da 1ª Guerra), sem escala em Nápoles conforme já visto acima. Portanto, Vincenzo teve que atravessar toda a Itália de trem, assim como o filho Giuseppe. Partiu em 16/9, embora o cartaz abaixo indique 2/9 (a viagem deve ter sido adiada, o que era comum).
Tinha 43 anos, declara-se casado, agricultor (contadino) e de religião católica. Não consta referências, mas provavelmente foi residir com o filho Giuseppe. Já devia estar decidido em se estabelecer com a família na América do Sul. Foi primeiramente conhecer a Argentina, onde seu filho havia chegado um ano antes e pode ter incentivado sua vinda. O presidente era Marcelo Alvear.
Vincenzo sabia que não ia conseguir comprar terras na América (assim como provavelmente não teve na Itália), lembrando que esteve duas vezes nos EUA, sem conseguir se estabelecer ou juntar dinheiro suficiente para comprar terras na sua volta.
Além disso, ele podia ser nacionalista, como demonstra o nome que deu ao seu filho Umberto, em homenagem a Casa de Savóia. Poderia ter também alguma simpatia por Benito Mussolini, que havia acabado de tomar o poder com um discurso nacionalista. Apesar do primo Antonio ter retornado dos EUA para se estabelecer, Vincenzo se viu obrigado a partir pela pobreza do pós-guerra, mas talvez estivesse aguardando que as coisas melhorassem um pouco.
Em um registro de fevereiro de 1923 em Buenos Aires, consta como profissão jornalero. À primeira vista, parece que foi trabalhar em banca de jornal. Mas, entendendo a palavra em espanhol, vemos que ela deriva de jornal que significa salário. É um termo usado para pessoas que trabalham no campo somente durante a colheita de verão e que ganham por dia de trabalho, em condições bem duras. Por isso, é possível que tanto ele como o filho Giuseppe foram residir e trabalhar em alguma região rural próxima a Buenos Aires durante aquele verão. Porém, como é sabido, Buenos Aires já era uma grande cidade e é provável que tenha ficado sem oportunidades de trabalho urbano após a colheita, por conta da idade. Também por isso, não teria condições de suportar outra jornada difícil de trabalho por mais um verão. Por isso, decide se mudar para São Paulo, onde já deveria ter conhecimento (através da família) que se tratava de uma cidade menor e com mais oportunidades para o trabalho em áreas rurais próximas, se sujeitando a ser colono desde que fosse algo estável e mais brando. É bom lembrar que a época das grandes colonizações no interior da Argentina, Sul do Brasil e interior de São Paulo já havia passado.
Cartaz da viagem inaugural do Navio Cesare Battisti, em que Vincenzo embarcou
Outro cartaz do Navio Cesare Battisti
Certidão de desembarque de Vincenzo na Argentina
Documento na Argentina, fevereiro de 1923 (acervo da família)
Registro de Vincenzo na Argentina (verso da foto anterior)
10/10/1922: um dia após desembarcar na Argentina, nasce Rosário em San Marco, o 1º dos muitos netos de meu bisavô Vincenzo. Era filho de Angiolina com Michele Ambrosio.
1922: EM 31/10, BENITO MUSSOLINI TOMA O PODER NA ITÁLIA DEPOIS DA “MARCHA SOBRE ROMA”, PASSANDO A SER O PRIMEIRO-MINISTRO DO REI VITTORIO EMANUELE III. PASSA A CONTROLAR A EMIGRAÇÃO E NÃO ASSINA MAIS ACORDOS COM O BRASIL DEVIDO AS MÁS CONDIÇÕES DE TRABALHO, EMBORA AINDA TIVESSE INTERESSE NA EMIGRAÇÃO POR RAZÕES POLÍTICAS
História Paralela
Meu avô Ernesto teve cinco filhos, sendo o mais velho Walter (meu pai), nascido em 19/11/1944. Foi encontrado um registro de 8/11/1922 do Rio de Janeiro (bairro da Glória) declarando que, no dia 5/11/1922 nasceu um menino chamado Walter, filho de outro Ernesto Martelotta (com um l apenas). Em janeiro de 1948, o próprio Walter carioca pede a correção de sobrenome para Martelotte. Uma incrível coincidência, sendo que o mais curioso é que o Ernesto carioca era carnavalesco, enquanto o Ernesto paulista era lírico! Ainda teve outro Walter, filho de Armando e pai de Armando Carlos, já mencionado anteriormente.
O Rio de Janeiro estava em plena efervescência: o episódio dos 18 do Forte de Copacabana acontecera em julho, a Exposição Internacional do Centenário fora inaugurada em setembro, o Brasil seria campeão do Campeonato Sulamericano de Futebol um dia após o nascimento de Walter e a posse do presidente Artur Bernardes seria dali 10 dias!
A família "carioca" chegou no Brasil em 1883 através de Nicola Maria (já mencionado no desembarque de seu homônimo no mesmo ano). Depois chegaram seus filhos Federico e Michele (Miguel), que era o pai desse outro Ernesto. Se estabeleceram no bairro da Glória, bairro nobre pela proximidade com o Catete, sede do governo federal. Nicola era neto de Gennaro (que era neto do “patriarca” Biase) e tio de Domenico que chegou em 1893 no Paraná, como já visto. A família teve vasta descendência no Rio de Janeiro, com vários esportistas e professores. Entre eles, Marcelo Martelotte, ex-goleiro e atual técnico de futebol e Mario Eduardo Toscano Martellotta, já falecido e referência no estudo de Linguística no Brasil.
Pouco depois, por volta de 1920, uma parte dessa família migrou direto da Itália para o Uruguai. Todos eram descendentes de Biase do século XVII. Mais informações sobre essa família no Family Search.
Registro de nascimento do Walter carioca
Os bairros da Glória e Flamengo. Local onde seria construído o Hotel Glória (inaugurado em Ago/22). Na parte central da foto os jardins do Palácio do Catete, 1917. Rio de Janeiro, RJ / Acervo DPHDM. As casas da família se situavam na Rua Barão de Guaratiba, logo atrás dos casarões no alto do morro.
Edoardo Martellotta, meio irmão de Federico e Michele, que chegou ao RJ por volta de 1910. Segundo seu neto Neyl Soares, era proprietário de bares e (mais um) "mulherengo" da família.
Giuseppe Martillotto, filho de Federico, que chegou ao RJ em 1918. Segundo seu neto Carlos Moraes, foi marinheiro durante a I Guerra e tinha tatuagens.
20/10/1923: Vincenzo desembarca sozinho no porto de Santos, também no vapor Garibaldi (o “Herói de 2 Mundos”), o mesmo que havia levado o filho Giuseppe dois anos antes. Aparentemente não passou pela Hospedaria de Imigrantes, provavelmente por já ter um destino: a Serra do Mar, onde residia sua prima Maria com a família. Embarcou dia 16/10 em Buenos Aires em 3ª classe, sendo o único a desembarcar no Brasil (o navio seguiria para Gênova). Declara-se casado, sabendo ler, católico e agricultor (contadino), sem bagagens. Passaporte italiano nº 513 concedido em 4/8/1922, com visto do Consulado Geral do Brasil em Buenos Aires em 1/10/1923, já visando sua partida. Ao retirar o Registro Nacional de Estrangeiro em 1939, declarou ter pagado as passagens. O presidente da época era Artur Bernardes.
Conforme mencionado, Vincenzo pode ter desembarcado do trem na Serra do Mar, na região de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, após vencer os 800 metros de altitude no sistema funicular. Como visto no batismo de Francisco Vacca em 1907, ali já residia a família do esposo de sua prima Maria (filha de Carlo Maria) desde os tempos dos núcleos coloniais do final do século XIX. Embora tenha se mudado para o bairro do Cambuci por volta de 1910, em 1923 Maria provavelmente estava residindo novamente na região, pois sua filha Paschoalina, nascida em 1918, foi registrada em Paranapiacaba (Serra do Mar). Na época do desembarque de Vincenzo, eram possivelmente trabalhadores da Fazenda Rio Pequeno, de Guilherme Pinto Monteiro, ou indicaram Vincenzo para trabalhar lá. Lembrando que seus tios Carlo Maria e Nicola haviam migrado para o Brasil ainda na década de 1880 e Vincenzo devia ter contato constante com seus primos, pois os tios já haviam falecido.
Deve ter ficado sem trabalho e oportunidades na Argentina e, com a idade chegando, veio tentar a sorte no Brasil. O importante era encontrar um lugar junto aos conterrâneos onde a grande família que mantinha na Itália pudesse se estabelecer melhor e ele pudesse trabalhar a terra. Como será visto, essa busca por lugares onde já haviam agricultores italianos (preferencialmente da sua região) se tornará constante. Vincenzo já estava com 44 anos, o que na época era uma idade avançada, sem condições de trabalhar em fábricas. Ou então, simplesmente não se acostumou com o frio da Argentina e buscava um lugar mais quente para viver.
Desembarque de Vincenzo em Santos
Cartaz do Navio Garibaldi
Eu na Estação Ferroviária de Santos em 21/10/2023, celebrando o centenário da chegada de Vincenzo
EM ABRIL, É FUNDADO O CLUBE ATLÉTICO JUVENTUS NO BAIRRO DA MOOCA EM SÃO PAULO, POR MEMBROS DA COLÔNIA ITALIANA, FUNCIONÁRIOS DO COTONIFÍCIO CRESPI
6/6/1924: Menos de 8 meses depois de Vincenzo, Rosa Mazziotta (35 anos), sua 2ª esposa e minha bisavó, desembarca em Santos com os filhos Ernesto (4 anos), Umberto (3 anos), Eugenio (14 anos) e a enteada Lauretta (22 anos, filha da 1ª esposa Maria Teresa Russo), todos católicos. O navio partiu de Gênova em 19/5, parou em Nápoles onde eles e outros imigrantes embarcaram e ainda passou por Marselha (França), na 3ª classe do Vapor Alsina. Levavam apenas uma mala. Interessante notar que a viagem durou 19 dias, contra os 46 das primeiras viagens, que eram feitas em embarcações a vela.
Eugenio, Umberto e Rosa na Itália provavelmente em agosto de 1922 (data do passaporte de Vincenzo). Lê-se "visto per l'identitá personale", assinado pelo síndaco (prefeito), com carimbo da delegacia de polícia. Abaixo, filhos de Rosa Mazziotta e por último (Eugenio) e Umberto. Provavelmente foi tirada para o passaporte familiar, visando a emigração (acervo da família).
Ofício de estado civil de Ernesto em maio de 1923 para a emigração
No Brasil, aparentemente não passaram pela Hospedaria, desembarcando antes na já mencionada Fazenda Rio Pequeno em Rio Grande (atual Rio Grande da Serra), juntos de outros imigrantes e onde provavelmente Vincenzo já trabalhava. A região era então pertencente a São Bernardo (que ainda não tinha o sufixo "do Campo"). Segundo mapa de 1932 localizado na internet, o local era uma fazenda entre as estações Rio Grande (ainda existente) e Campo Grande (já desativada), bem próxima da vila histórica de Paranapiacaba (então estação Alto da Serra). Deve ter sido vendida para a indústria química belga Solvay na década de 1940, que construiu lá um parque industrial chamado Eletrocloro, que por sua vez abrigava uma vila para os trabalhadores chamada Vila Euclor (já demolida). O lugar hoje continua sendo uma indústria de cloro pertencente agora a Unipar.
Provavelmente, a fazenda teve início como um rancho às margens das estrada Mogi-São Paulo em 1840 para abrigo de tropeiros, criado pelo Capitão General Antonio Manuel de Melo. A partir da década de 1870, passou a receber imigrantes que não chegavam a desembarcar na Hospedaria do Imigrante no Brás. Ou seja, que já tinham um destino definido.
Pelo pouco tempo decorrido entre os dois desembarques, entende-se que a família de Vincenzo só estava aguardando-o se estabelecer minimamente para partirem. Como os documentos para a emigração da família foram expedidos mais de um ano antes, presume-se também que estavam prontos para emigrarem para a Argentina, mas a mudança de Vincenzo para o Brasil adiou os planos. Lauretta pode ter vindo direto para São Paulo, como será visto.
A fazenda cultivava laranjas e criava gado, provavelmente vendendo a produção no antigo "Mercado Grande” de São Paulo (anterior ao Mercado Municipal, de 1933). Portanto, não cultivava café, o “ouro negro” que atraiu tantos outros imigrantes, pois a Serra do Mar não era propícia para esse cultivo. Ainda praticava a política de imigração subvencionada (já quase extinta), como mostra documentos encontrados na internet de outros imigrantes, no mesmo ano de 1924. O imigrante, já como colono, deveria solicitar a restituição do valor pago por ele ou pelo fazendeiro por suas passagens, junto à Secretaria de Agricultura. Não se sabe se a fazenda pagou as passagens da família de Vincenzo, mas é possível. Mais informações sobre a fazenda nesse link.
A título de curiosidade, esse imigrante mencionado trabalhava 10 horas por dia e ganhava 6.500 Réis por dia, não inclusa a comida.
Meu avô Ernesto nunca mencionou essa passagem, talvez ser muito pequeno para lembrar, pois ela deve ter sido curta. Outra hipótese é ele ter ido direto para São Paulo morar com sua meia irmã Lauretta para economizar despesas (o que explicaria a sua ausência nas fotos). Embora isso seja pouco provável, pois seu pai Vincenzo não aprovava o relacionamento dela com seu futuro marido, como será contado. Por conta disso, dificilmente deixaria isso acontecer.
Sobre a viagem, dizia que sentiu um certo incômodo. Vicente, filho de Ernesto e neto de Vincenzo, conta também que o pai era reservado para contar as passagens de infância. Na verdade, Ernesto contava que foram para o bairro da Ponte Pequena (o que de fato ocorreria um pouco depois) e que o pai conseguiu um emprego de jardineiro na Prefeitura de São Paulo. Dizia também que não se lembrava de terem passado fome. Vincenzo não adquiriu propriedade no Brasil.
Nilton (in memoriam), filho de Eugenio, contou que a família criou amizade com o Sr. Guilherme, que deixava eles comerem laranja a vontade, desde que não as levassem para casa.
Foto do vapor Alsina, que trouxe a família
Registro de desembarque de Rosa Mazziotta e filhos
Solicitação de restituição de passagem de outro imigrante italiano na Fazenda Rio Pequeno
Figura 1: Na Fazenda Rio Pequeno, um carretão para o transporte de lenha em direção ao pátio ferroviário; Figura 2: montando o cavalo ‘Barão’, um dos proprietários da Fazenda Rio Pequeno, José Maria de Figueiredo (provavelmente anos 1920). Acervo: Octavio David Filho
1924: POPULAÇÃO BRASILEIRA DE CERCA DE 32 MILHÕES DE HABITANTES. A EXPECTATIVA DE VIDA ERA DE 35 ANOS. A CAPITAL ERA O RIO DE JANEIRO E A MOEDA CORRENTE NO PAÍS ERA O MIL RÉIS
POPULAÇÃO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO DE CERCA DE 700.000 HABITANTES, SENDO APROXIMADAMENTE 40% DE IMIGRANTES ITALIANOS. CIDADE PASSAVA POR EPIDEMIAS DE FEBRE TIFÓIDE E MENIGITE MENINGOCÓCCICA, NA GESTÃO DE MORAIS PINTO
EM JULHO DO MESMO ANO, OCORRE A REVOLTA PAULISTA TENENTISTA, DEVIDO À CRISE ECONÔMICA E INSISTÊNCIA DA POLÍTICA CAFÉ COM LEITE (SP – MG). BAIRROS OPERÁRIOS SÃO BOMBARDEADOS POR TROPAS DO GOVERNO ARTUR BERNARDES. REVOLTOSOS VENCIDOS DERAM ORIGEM AO MOVIMENTO COLUNA PRESTES NO SUL DO BRASIL, QUE EM 1935 PROMOVERÁ UMA TENTATIVA DE GOLPE AO GOVERNO GETÚLIO VARGAS CHAMADA DE INTENTONA COMUNISTA
25/2/1925: com a idade de 45 anos, Vincenzo é pai do sétimo filho, já em São Paulo, com Rosa Mazziotta (então com 36 anos). Seria Elvira, em possível homenagem à sua prima falecida 3 anos antes (ainda havia outra prima Elvira, filha de Nicola). Moravam na Rua Antonio Guganis, 4 - Santana (Zona Norte), para onde devem ter ido ao saírem da fazenda em R. G. da Serra, após os combates da Revolta Paulista (ver acima). Vincenzo então consegue o emprego de jardineiro na prefeitura de São Paulo.
A região da rua, que faria parte mais tarde do Jd. São Paulo, naquela época era formada por pequenos agricultores italianos e o local deveria ser uma chácara ou sítio. O próprio Antonio Guganis era italiano (o sobrenome deve ter sido alterado no Brasil), proprietário de terrenos, e faleceu nesse mesmo ano, conforme o Dic.Ruas.
Elvira deve ter sido gerada logo que Rosa chegou ao Brasil e é possível que tenham saído da serra por causa do emprego de Vincenzo, a gravidez de Rosa ou o clima úmido. Ninguém da família tinha conhecimento desses fatos.
Rosa, Umberto, Vincenzo e Eugenio provavelmente no final de 1924 ou início de 1925 (talvez no Jd. São Paulo). Falta Ernesto. Rosa deveria estar grávida de Elvira - acervo da família
Casa na Rua Antonio Guganis - 4, que pode ter sido o primeiro endereço de meu bisavô em São Paulo (foto atual)
12/3/1925: morre Angela Maria Zavatto, mãe de meu bisavô Vincenzo, em San Marco Argentano. Tinha 71 anos de idade.
1925: MUSSOLINI TORNA-SE DITADOR NA ITÁLIA E INSTITUI O FASCISMO
NO MESMO ANO, É CRIADA A CIA AÉREA TWA NOS ESTADOS UNIDOS. DOIS ANOS DEPOIS, A PAN AM. AMBAS VÃO CONCORRER COM O TRANSPORTE MARÍTIMO POR PASSAGEIROS NAS DÉCADAS SEGUINTES
1926: EM 25/4, A ÓPERA TURANDOT DE GIÁCOMO PUCCINI ESTREIA NO TEATRO SCALA DE MILÃO
EM JUNHO, É PRESO EM SÃO PAULO O FAMOSO BANDIDO GINO MENEGHETTI, NASCIDO NA TOSCANA EM 1888. SUA CAPTURA DEMANDOU UM DOS MAIORES ESQUEMAS POLICIAIS QUE A CIDADE JÁ HAVIA VISTO
EM DEZEMBRO DO MESMO ANO, MORRE NA FRANÇA O CÉLEBRE PINTOR FRANCÊS CLAUDE MONET, PAI DO IMPRESSIONISMO
17/10/1926: Filha de Vincenzo, Lauretta se casa com Giuseppe Leone, nascido em Cassano Allo Ionio, também em Cosenza na Calábria. Neide, filha de Laurettta, conta que seus pais se conheceram na Itália e namoraram escondido, pois Vincenzo não aprovava. Antes da mãe partir para o Brasil, seu pai prometeu a ela que também viria e a encontraria, o que de fato ocorreu, por intermédio de conterrâneos (os paesanos). Porém, na verdade Giuseppe já estava no Brasil desde 1921, conforme consta em seu documento de naturalização.
Segundo Neide, seu pai pediu a mão de Lauretta. Contudo, Vincenzo também não consentiu com a união, que foi consumada mesmo assim em cartório e na Paróquia de N. S. Auxiliadora, no Bom Retiro. Pela certidão, o casal já morava junto no casamento, na Ponte Pequena, onde Giuseppe provavelmente já residia. A filha Carmela havia nascido em agosto daquele ano (portanto, antes do casamento). Foram para o Tucuruvi na segunda metade dos anos 1940. Giuseppe faleceu em 1950 em São Paulo, antes até do que Vincenzo. É possível também que Lauretta tenha vindo diretamente para São Paulo para morar com Giuseppe, como visto, contrariando ainda mais o pai.
18/3/1927: Morre Elvira, filha de Vincenzo e Rosa, aos dois anos de idade, vítima de Sarampo, sendo enterrada no Cemitério de Santana. Moravam na R. Luiz Pacheco, 10 - Ponte Pequena. Próximo, portanto, da filha Lauretta (teriam feito as pazes?). Além da proximidade com a filha, vão morar no bairro talvez pela proximidade com o Centro e do trabalho de Vincenzo, além da concentração de italianos, especialmente calabreses. O famoso Tramway da Cantareira (o "Trem das 11") passava por ali, vindo da Zona Norte (passando próximo à região onde eles viveram pouco antes, o Jd. São Paulo).
Neto Nilton (in memoriam) contava que Vincenzo passou por vários endereços em São Paulo, mudando-se a cada dois meses no meio da noite para escapar do aluguel. Filho Ernesto contava que iam buscar serralha (planta comestível) na beira do Rio Tietê.
16/4/1927: com a idade de 48 anos, Vincenzo é pai do oitavo filho, ainda na Ponte Pequena, com Rosa Mazziotta (então com 38 anos). Seria Antônio, em homenagem ao seu bisavô ou ao primo de Vincenzo. Seu nome significa “digno de apreço”. Antônio foi operário e faleceu em 1989, em São Paulo, aos 62 anos. Casou-se com Olinda Benedetti em 1948 e deixou 4 filhos. Joana, filha de Antonio, acreditava que seu pai havia nascido logo que a família chegou ao Brasil, quando na verdade havia sido sua irmã Elvira, que morreria um mês antes dele nascer.
1927: EM 28/4, OS BRASILEIROS JOÃO RIBEIRO DE BARROS, NEWTON BRAGA E JOÃO NEGRÃO TORNAM-SE PIONEIROS AO FAZER UMA TRAVESSIA AÉREA DE GÊNOVA (ITÁLIA) ATÉ FERNANDO DE NORONHA (PE) A BORDO DO HIDROAVIÃO JAHÚ
NO MESMO ANO, ESTRÉIA NOS EUA O 1º FILME FALADO, “THE JAZZ SINGER”, COM AL JOLSON
AINDA EM 1927, OS ITALIANOS NICOLA SACCO E BARTOLOMEO VANZETTI SÃO EXECUTADOS EM CHARLESTOWN/EUA, POR UM CRIME QUE NÃO COMETERAM. ERA O AUGE DA DISCRIMINAÇÃO CONTRA ITALIANOS
1928: PUBLICADO O LIVRO “MACUNAÍMA, O HERÓI SEM NENHUM CARÁTER”, DE MARIO DE ANDRADE. O LIVRO PROCURA RETRATAR O POVO BRASILEIRO
NO MESMO ANO, O DESENHO ANIMADO MICKEY MOUSE É APRESENTADO POR WALT DISNEY NO CURTA METRAGEM “PLANE CRAZY”
AINDA EM 1928, É DESCOBERTA A PENICILINA PELO ESCOCÊS ALEXANDER FLEMING
Fevereiro/1929: Filho de Vincenzo e meu avô, Ernesto (in memoriam) contava que foram para a Hospedaria do Imigrante por conta de grande enchente do final de janeiro no Rio Tietê em São Paulo, quando quase morreram e foram retirados por bombeiros. Moravam agora na R. Pedro Vicente, 49 na Ponte Pequena, exatamente onde hoje é a Estação Armênia do Metrô.
Essa pode ter sido a primeira vez que foram para a hospedaria, pois no desembarque devem ter ido para a fazenda de laranjas já mencionada.
Nota no jornal informando a mudança para a Hospedaria
Vista tomada das proximidades da Rua Pedro Vicente em direção à Rua Luís Pacheco. Foto de 1929 (Foto: Saudade Sampa)
Relato do Museu da Imigração, que abriga o prédio onde era a hospedaria: “Evidentemente, quem habitava próximo às margens dos rios Tietê, Pinheiros, Tamanduateí e das dezenas de córregos e riachos espalhados pela cidade eram aqueles que mais sofriam com os danos causados pelas chuvas. Em janeiro de 1929, o bairro do Canindé estava inundado. Os moradores precisaram ser removidos em dois batelões e dois botes. O campo de Marte virou um lago e um avião sem asas foi transformado em barco. A várzea do Ipiranga também estava sob a água; do alto do bairro, a estação de trem da São Paulo Railway parecia uma ilha em meio à desordem. Os jornais alertavam as pessoas que se aventuravam a nadar para que tomassem cuidado com cobras, detritos e corpos de cães que apareciam boiando. Além disso, muitos indivíduos foram levados mortalmente pelas águas. Os casos fatais ocorreram, principalmente, na Ponte Pequena, no Canindé, na Penha, no Ipiranga e na Vila Guilherme”.
1929: NA GESTÃO PIRES DO RIO, INAUGURAÇÃO DO EDIFÍCIO MARTINELLI EM SÃO PAULO, IDEALIZADO PELO IMIGRANTE GIUSEPPE MARTINELLI. FOI O MAIOR ARRANHA CÉU DO PAÍS ATÉ 1947, COM 105m DE ALTURA. OUTRO GRANDE EDIFÍCIO LIGADO À COLÔNIA ITALIANA EM SÃO PAULO É O EDIFÍCIO ITÁLIA, INAUGURADO EM 1965 COM 165m.
EM 11/2, CRIAÇÃO DO ESTADO DO VATICANO SOB O PAPADO DE PIO XI, SE TORNANDO INDEPENDENTE DA ITÁLIA E O MENOR ESTADO DO MUNDO. SITUAÇÃO SE ARRASTAVA DESDE A TOMADA DE ROMA EM 1870
EM 29/10, OCORRE A QUEBRA DA BOLSA DE NOVA YORK. CONSEQUÊNCIAS SE ARRASTAM POR UMA DÉCADA. NO BRASIL, ESTOQUES DE CAFÉ COMEÇAM A SER QUEIMADOS PELA QUEDA DE PREÇOS. CHEGAVA AO FIM OS "LOUCOS ANOS 20"
NO MESMO ANO, O FILME “WINGS” (ASAS) GANHA O 1º OSCAR DE MELHOR FILME, COMO UM DRAMA DE GUERRA, ESTRELANDO CLARA BOW, A MAIOR ESTRELA DA ÉPOCA DO CINEMA MUDO
1930: FIM DA IMIGRAÇÃO SUBVENCIONADA E NOVA QUEDA DA COTAÇÃO DO CAFÉ NO BRASIL DE WASHINGTON LUÍS, REDUZEM AINDA MAIS A IMIGRAÇÃO
29/6/1930: com a idade de 51 anos, Vincenzo é pai do nono e último filho, em São Paulo, com Rosa Mazziotta (então com 41 anos). Seria uma nova Elvira, já que a anterior havia falecido. As testemunhas foram José Carrocino, filho da prima Elvira já falecida e Carlos Vasco, filho da outra prima Maria, ambas filhas de Carlo Maria (o que prova que Vincenzo tinha contato com a família de seus tios migrados na década de 1880). Moravam agora na Rua Scuvero, 83 - Cambuci, em São Paulo, bairro onde já residiam seus familiares.
Rua Espírita, próxima a Rua Scuvero - Cambuci, 1927. Fotógrafo Caio P. Barreto. Álbum Memória Pública do Acervo do Arquivo Público de São Paulo.
Ernesto (in memoriam) contava que se mudaram com a família em 1930 para Campo Limpo, bairro da Zona Sul paulistana, por conta da perseguição aos italianos, causada pela política do Estado Novo de Getúlio Vargas. Porém, essa política só seria implementada em 1937, no novo Golpe de Estado que Getúlio liderou e que realmente acarretou em uma maior discriminação aos italianos. Por isso, houve uma confusão de acontecimentos, pelo fato de Getúlio ter tomado o poder no mesmo ano de 1930, quando os italianos já eram discriminados. O que corrobora a versão de Ernesto é o fato de seu irmão Eugênio ter um registro de 1934 em Campo Limpo. Embora tenha se casado no Cambuci, Eugênio deve ter apresentado o documento no cartório de Campo Limpo para transcrição. Antes disso, em 1931, ali também teria registro de Rosaria Julia (mesma situação de Eugênio), filha de Luigi primo de meu bisavô, o que mostra que um seguiu o outro.
O bairro de Campo Limpo foi criado nos anos 1930 e recebeu colônias de italianos, japoneses e portugueses. Fazia parte do antigo de município de Santo Amaro, que foi incorporado à São Paulo em 1935.
Mapa do ex-município de Santo Amaro de 1938 (Campo Limpo está à esquerda). Acervo do Museu Paulista da USP
EM JULHO, 1ª COPA DO MUNDO É DISPUTADA NO URUGUAI E VENCIDA PELOS DONOS DA CASA, EM UMA FINAL HISTÓRICA CONTRA A ARGENTINA. ITÁLIA NÃO PARTICIPA DEVIDO ÀS DIFICULDADES LOGÍSTICAS
EM OUTUBRO DO MESMO ANO, GETÚLIO VARGAS TOMA O PODER EM GOLPE DE ESTADO. UM DE SEUS PRIMEIROS ATOS FOI CRIAR A LEI DOS 2/3, OBRIGANDO AS EMPRESAS A TEREM PELO MENOS DOIS TERÇOS DE SEUS FUNCIONÁRIOS BRASILEIROS NATOS
UM MÊS ANTES, OCORRIA O MESMO NA ARGENTINA, COM JOSÉ FELIX URIBURU (O PERÍODO É CONHECIDO LÁ COMO A DÉCADA INFAME)