A Diáspora Italiana

Estimativa do número de emigrantes nos períodos 1876-1900 e 1901-1915, dividido por região de origem (Fonte emigrati.it)

Emigração italiana para o Brasil, segundo as regiões de procedência

período 1876/1920

Vêneto 365.710

Campânia 166.080

Calábria 113.155

Lombardia 105.973

Abruzzi/Molizi 93.020

Toscana 81.056

Emília Romana 59.877

Basilicata 52.888

Sicília 44.390

Piemonte 40.336

Puglia 34.833

Marche 25.074

Lázio 15.982

Úmbria 11.818

Ligúria 9.328

Sardenha 6.113

Total 1.243.633

(Fonte:Brasil 500 anos de povoamento. IBGE. Rio de Janeiro. 2000)

Anderemo in Mèrica                              Iremos para a América

In tel bel Brasil                                  Para aquele belo Brasil

E qua i nostri siori                                  E aqui nossos senhores

Lavorerá la tera col badil!   Trabalharão a terra com a pá!


Que entendeis por uma Nação, Senhor Ministro?

É a massa dos infelizes?

Plantamos e ceifamos o trigo, mas nunca provamos pão branco. Cultivamos a videira, mas não bebemos o vinho.

Criamos animais, mas não comemos a carne.

Apesar disso, vós nos aconselhais a não abandonarmos a nossa Pátria? Mas é uma Pátria a terra onde não se consegue viver do próprio trabalho?

 

Fala anônima de um italiano para o Ministro de Estado da Itália


Após o Congresso de Viena em 1814, a Itália estava dividida em sete regiões: o Reino do Piemonte-Sardenha, o Reino Lombardo-Veneziano, o Reino das Duas Sicílias, os Estados da Igreja e três Ducados submetidos ao poderio austríaco.

Surgiu na Itália a ordem Carbonária, que tinha por objetivo combater o absolutismo, a intolerância da religião e buscava como princípio fundamental, defender os ideais liberais. Um nome foi destacado, o de Giuseppe Mazzini.

Em 1860 surgiu no conflito Giuseppe Garibaldi, um guerrilheiro nascido em Nice, que pertencia ao Reino da Sardenha. Ele vinha do Brasil, onde participou da Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul. Era líder da Sociedade Nacional, um movimento que também adotava como preceito a liberdade italiana e sua unificação, sendo conhecido posteriormente como “o Herói dos Dois Mundos”.

Em 1850, de 1800 Comunas do Reino de Nápoles, 1500 não tinham estradas. Em muitas regiões, não se sabia o que era o dinheiro: as trocas se faziam em natura, como no tempo de Cícero.

"Il sostentamento di un bracciante costa meno di quello di un assino”.

"O sustento de um trabalhador braçal custa menos do que o de um burro”.

Em 1861, somente 600 mil podiam votar: eram aqueles que tinham um patrimônio ou uma renda. Eram os "Signori". Só os abastados podiam ser votados. Portanto, o povo comum não tinha representantes no Congresso. Os colonos não tinham propriedades, viviam do trabalho praticamente escravo. 

As massas populares não eram consideradas povo. Quando se falava em "povo", entendia-se a burguesia: os funcionários, os comerciantes, os advogados, os médicos, etc. Os outros (e eram os 4/5) não contavam nada.

Os cargos políticos eram impostos pelo Rei. Com essa situação, com as autoridades insensíveis às necessidades das massas populares, começaram os primeiros movimentos emigratórios. Os colonos fugiam de um país ingrato, que nunca fora sua verdadeira Pátria.

Entre 1860 e 1865, houve revoltas e massacres no Sul da Itália. Muitos bispos foram expulsos ou presos. Aqui começa o período da longa emigração.

A malária matava 40 mil pessoas por ano; a pelagra, 100 mil. Entre 1884 e 87 o cólera tinha matado 55 mil. As estatísticas falam em 400 mil mortes por ano. Metade eram crianças com menos de cinco anos, porque a comida era escassa, a higiene quase nula e a consulta médica era a um preço proibitivo.

Dos 3.672 trabalhadores nas minas sicilianas de enxofre, só 203 foram declarados sãos e aptos para o serviço militar.  O resto era doente. Dos 30 milhões de habitantes da Itália, 21 milhões eram colonos.

O arado era ainda aquele de prego, o mesmo usado por Cincinato, 2 mil anos antes. Entretanto, a Inglaterra, a França e a Alemanha já haviam ingressado na era industrial. 

A Itália parecia um país de miseráveis analfabetos. Só o Piemonte e a Planície do Pó demonstravam um pouco de progresso agrícola. Centenas de milhares de italianos viviam ainda em grutas ou cabanas de pau a pique e barro, sem janelas, ou em escavações feitas na rocha. Segundo dados de 1879, aí viviam na média 10 pessoas por vão.

As terras pertenciam a quem não tinha amor ao campo. Quem trabalhava os campos era um servo, o descendente dos escravos. É bom lembrar que o Feudalismo na Europa havia sido finalmente extinto muito tempo antes, em 1806, por Napoleão Bonaparte.

A tão esperada distribuição aos camponeses das terras desapropriadas dos órgãos eclesiásticos nunca chegou. Essas terras foram, de fato, adquiridas pelos grandes proprietários, que assim fortaleceram seu poder. É neste contexto que se desenvolve um movimento de protesto e revolta contra a ordem estabelecida e que encontra a sua expressão mais sangrenta no banditismo no Sul da Itália. Havia grandes propriedades burguesas, conseguidas pelos "notabili" através da usurpação e da aquisição de terras tiradas da Igreja. Nessas propriedades os colonos eram explorados: não tinham vínculo com a terra. Por isso, havia uma vontade terrível de terra. Não somente de possuí-la, mas de sair do nada, de conquistar uma dignidade.

Foi assim que acolheram com entusiasmo a Giuseppe Garibaldi, porque esperavam a distribuição das terras e se atiraram com fúria sobre as propriedades dos "galantuomini", os latifundiários, mas foram barrados e espancados.

Nessas condições, portanto, a emigração era não só estimulada pelo governo, como também uma solução de sobrevivência para as famílias. Assim, é possível entender a saída de cerca de 7 milhões de italianos no período compreendido entre 1860 e 1920.

Os primeiros emigrantes a deixarem a Itália na época da "grande emigração" (1870-1920), foram sobretudo os vênetos, com cerca de 30% do total, seguidos pelos habitantes da Campânia, Calábria e Lombardia. Os vênetos eram mais loiros do que a maioria dos italianos. Eram pequenos proprietários, arrendatários ou meeiros, para quem a possibilidade do acesso à terra era um estímulo decisivo para o empreendimento da arriscada viagem. Os emigrantes do sul eram morenos, mais pobres e rústicos, geralmente camponeses que não dispunham de alguma economia chamados de braccianti.

Em 1850, o Brasil encarava dificuldades quanto a uma mão-de-obra especializada. Basicamente, a força de trabalho era formada por escravos e, neste mesmo ano, seria adotada a Lei Eusébio de Queirós, que proibiria o tráfico negreiro.

O governo brasileiro tomou conhecimento que levas de emigrantes europeus estavam partindo para os Estados Unidos, Austrália e para a própria América do Sul, levando na bagagem um sonho de uma vida melhor. Foi quando se interessou em trazer estas levas ao Brasil.

Nessa época, por conta do fim próximo da escravidão no Brasil e da grave crise econômica na Itália devido ao processo de unificação, acordos entre os governos estimulavam a vinda de imigrantes em massa, com o Brasil pagando as passagens daqueles que se dirigiam para as lavouras. Agentes eram contratados para angariar pessoas, que poderiam escolher entre ir para as lavouras de café, cultivo exclusivo das fazendas, ou para as colônias, com a promessa de ter uma propriedade. Para o Brasil, era muito interessante trazer imigrantes para “branquearem” a nação e não apenas para a substituição dos escravos nas lavouras.

A primeira viagem de emigrantes italianos para o Brasil aconteceu no dia 3 de janeiro de 1874, às 13 horas, quando partiram do Porto de Gênova, em um navio à vela, o "La Sofia", na expedição Tabacchi, e a segunda pelo “Rivadávia”, ambos de bandeira francesa. A mesma Gênova que viu partir Colombo para a Espanha e Garibaldi para unificar o país.

O "Sofia" chegou ao Brasil em 21 de fevereiro de 1874, com 386 famílias, para as terras de Pietro Tabacchi, em Santa Cruz. Segundo o sociólogo italiano Renzo M. Grosselli, a Expedição de Pietro Tabacchi foi o primeiro caso de partida em massa de emigrantes da região norte da Itália para o Brasil.

O nome da colônia, criada no Espírito Santo pelo Governo Brasileiro, era Nova Trento (não confundir com a cidade de Nova Trento em Santa Catarina). Podemos dizer que Santa Cruz foi o berço da imigração italiana no Brasil. Na primeira metade do século XIX, a Europa encontrava-se marcada por diversas revoluções liberais, influenciadas pela Independência Americana e pela Revolução Francesa, vindo a ocasionar profundas modificações políticas e econômicas em seu seio.

A travessia do Atlântico, em velhos navios, era dramática, um jogo no escuro: tudo podia correr bem, mais ou menos, ou mal. Mortes de pessoas eram comuns. Naufrágios, não raro aconteciam. De qualquer forma, os “Quaranta sei giorni di macchina e vapore” (Quarenta e seis dias de máquina a vapor) constituíam uma angústia e um medo só. Muitos pensavam que aqui se falava o espanhol. 

CARTAZ PROMOCIONAL DA IMIGRAÇÃO

No Brasil, os imigrantes se dirigiram para os estados do Sul e Sudeste. Aqui fundaram pedaços da Itália: Nova Roma, Nova Vicenza, Nova Veneza, Nova Trento, Novo Treviso, Nova Pádua, Nova Údine, Vale Vêneto, etc.

Interessante notar que se tratava de um único passaporte para toda a família. Muitas famílias de imigrantes eram numerosas, mas também havia casais com um ou dois filhos, homens casados sem a família (que viria depois) e jovens solteiros.

Graças à vontade férrea, muitos venceram na vida e se tornaram proprietários de terras, alguns bem abastados.

Os emigrantes italianos, com sua saída, permitiram o progresso da Itália, diminuindo a população e fazendo sobrar alimento para os que ficaram. Recomeçando sua vida no meio do mato e entre animais ferozes, com a falta de tudo, ainda enviavam dinheiro aos parentes no "Paese" de origem. Tanto, que o Ministro das Finanças da Itália considerou essas remessas um "ruscello d`oro", um filete de ouro.

Em São Paulo, deixaram como legado bairros inteiros de imigrantes e descendentes, como o Brás, Bexiga e Barra Funda (que foram até título de livro), além da Mooca e seu famoso sotaque. Na gastronomia, pizza, vinhos e outras delícias. Na indústria, empresas que resistem até hoje, como Bauducco, Caloi, Giannini e Tramontina, entre muitas outras. Não podemos esquecer também dos avanços nas legislações trabalhistas, incentivos à arte e cultura, arquitetura, tradições e religiosidade. Para o Brasil com seus mais de 30 milhões de descendentes, a contribuição para a formação da sua identidade nacional é incalculável, assim como para os demais países que os acolheram.

 

Obra consultada: "STORIA DIMENTICATA'', do escritor italiano Deliso Villa.