O início
O sobrenome Martellotta provavelmente teve origem na Apúlia, talvez em meados do século XVI, no contexto do Concílio de Trento (1545–1563), que estabeleceu a obrigatoriedade dos registros paroquiais — e, com isso, a fixação dos sobrenomes de família. Os primeiros registros das famílias Martellotta na Calábria datam do início do século XVIII, o que não significa que a família não estivesse na região antes. É possível que o nome tenha surgido de forma independente, hipótese bastante plausível para um sobrenome de ofício. A confirmação só seria possível com o exame direto dos livros de batismo das paróquias locais — que exigem autorização — já que os registros civis só começaram no início do século XIX.
Esses primeiros rastros foram identificados através dos processos de casamento do século XIX, especialmente nos casos em que os pais já eram falecidos — pois as certidões de batismo e óbito, escritas em latim, eram anexadas ao processo. Por não se tratar de um sobrenome nobre, é provável que o primeiro Martellotta tenha surgido logo após o Concílio de Trento, quando se tornou obrigatório adotar um nome de família. A forma inicial pode ter aparecido em Alberobello, na Apúlia, espalhando-se pela região e, posteriormente, migrando para a Calábria (província de Cosenza). Entre os séculos XVII e XVIII, houve intensa migração da Apúlia para a Calábria, motivada por crises econômicas, superpopulação, conflitos e novas oportunidades agrícolas. Interessante notar que a grafia na Apúlia sempre se manteve como Martellotta.
Na faixa litorânea entre Cetraro, Acquappesa (antiga Casaletto), Guardia Piemontese e Fuscaldo, surgem os primeiros ramos da família que parecem convergir para um ancestral comum: Biaggio (ou Biase), nascido no final do século XVII com o sobrenome grafado Martilotto — forma influenciada pela presença espanhola no Reino de Nápoles. Biaggio provavelmente foi um dos primeiros habitantes da recém-fundada Casaletto (atual Acquappesa), que se tornou o “berço” da família na Calábria, embora seus antepassados possam ter se deslocado das cidades vizinhas. Existe, contudo, um ramo possivelmente independente na comune de Lago (Cosenza), também com a grafia Martilotto. Entre os primeiros nomes dessa linhagem, no início do século XVIII, aparecem Felice, Muzio e Bruno — famílias que, como era comum, se dividiam em decorrência de segundos casamentos ou uniões extraconjugais.
Biaggio teve ao menos um filho confirmado, Bernardo, nascido por volta de 1710 em Casaletto, casado com Barbera Mollo, pais de Serafino, Gennaro, Cristofaro, Saverio e Anna. É muito provável que Bernardo tivesse dois irmãos, Cristofaro e Angiolo. Os dois nasceram por por volta de 1720 em Casaletto, sendo que o primeiro se casaria com Izabella Aita e teria ao menos a filha Crelia em 1754, também em Casaletto. Crelia se casa com Gabriele di Capua e teria ao menos duas filhas em San Marco Argentano, comune mais para o interior: Isabella em 1784 e Maria em 1796. Essa comune seria importante décadas depois para o estabelecimento do meu ramo familiar, de Angiolo, que será descrito a seguir.
Angiolo teria se casado duas ou três vezes, sendo a primeira com Rosa Pepe, com quem teve Carmina (nascida em 1748 em Casaletto) e possivelmente Biase, nascido um pouco antes no mesmo lugarejo.
Bernardo e Angiolo parecem ter laços próximos com Sabato, Stefano, Giuseppe, Giacchino, Giambattista e outro Angelo, nascidos entre 1730 e 1755 nas mesmas localidades. As interligações matrimoniais entre seus descendentes indicam que se tratava de um mesmo grupo familiar, dividido apenas por núcleos domésticos — as cidades eram pequenas demais para abrigar ramos realmente distintos. Assim, pode-se dizer que a família se dividia entre os “angelinos” (descendentes de Angiolo) e os “bernardinos” (descendentes de Bernardo), já que Cristofaro aparentemente só teve Crelia.
Biase, possível neto do primeiro Biaggio (forma latina do nome), nasceu por volta de 1740 em Casaletto, provavelmente filho do primeiro casamento de Angiolo. Era muito comum o filho homenagear o pai nomeando um dos filhos com o mesmo nome do progenitor. Assim, avô e neto seriam homônimos.
Biase foi pescador ou trabalhador do mar, como seus filhos Vincenzo, Angelo e Candida. Em Casaletto também nasceriam Biase (1798), Antonio (1804) e Fortunata Nicoletta (1807), filhos de Vincenzo.
Por volta de 1810, Vincenzo, filho de Biase, mudou-se para Santa Caterina Albanese, pequena cidade do interior marcada pela influência albanesa. Ali nasceriam Filippo (1812) e Carlo Maria (1816). Nesse mesmo período, o sobrenome Martillotta aparece pela primeira vez na já citada San Marco Argentano — em registros de nascimento (1810), morte (1811) e casamento (1815). Esses documentos revelam que Domenico, seu irmão Andrea e o meio irmão Francesco, os primeiros Martillotta a habitarem San Marco após a prima Crelia, eram naturais de Fuscaldo, outra comune litorânea próxima a Acquappesa. Eles eram filhos de Giuseppe, netos do terceiro casamento de Angiolo, sendo portanto meio-primos de Vincenzo. Todos parecem ter migrado do litoral para o interior na mesma época.
Outro pioneiro de San Marco foi Sabato, filho de Salvatore, neto do Sabato já citado. Esses ramos desapareceram dos registros locais após 1838, com a morte precoce de muitos filhos — consequência provável de secas e epidemias de malária. É possível que tenham sido colonos ou meeiros, dividindo colheitas com os proprietários de terra.
Os Martellotta originais de San Marco Argentano
Os Martellotta de San Marco Argentano
Muitos anos depois, em 1873, o sobrenome volta a aparecer em um registro de casamento — agora de uma família que deixaria descendência duradoura em San Marco Argentano e parentes distantes dos "pioneiros". Eram três irmãos: Giuseppe, Nicola e Carlo Maria, filhos de Antonio (1804, Casaletto) e Maria Ambrosio (de Fagnano Castello). Os irmãos nasceram na contrada (bairro rural) de Ioggi, em Santa Caterina Albanese, e se mudaram juntos para San Marco no final da década de 1860. Antonio morreu ali em 1871, sete anos após a esposa.
Giuseppe casou-se em 1873 com Angela Zavatto, sendo pais de Vincenzo (meu bisavô). Carlo Maria casou-se em 1875 com Maria Rosalia Giulia Grecco, tendo o filho Luigino. Nicola Maria, por sua vez, teve o primeiro filho, Antonio, com Carmela Perrone. Curiosamente, os três primos — Vincenzo, Luigino e Antonio — nasceram no mesmo ano, 1879. Foi nessa década que o sobrenome assumiu a grafia definitiva Martellotta.
Giuseppe e Nicola fixaram-se em Iotta, zona rural de San Marco Argentano, enquanto Carlo parece ter se estabelecido em Sagramento, outro distrito local. Todos eram bracciali (trabalhadores agrícolas), e suas esposas, em geral, filatrici (costureiras). Nicola emigrou para o Brasil em 1883, seguido pouco depois por Carlo.
Embora Santa Caterina tenha sido fundada por albaneses, os três irmãos viviam em Ioggi, distrito de influência grega. Por isso, é improvável que houvesse parentesco direto com os Arbëreshë (albaneses italianos), cuja imigração ocorrera séculos antes.
A partir das décadas de 1870–1880, a família Martellotta consolidou-se em San Marco Argentano, adotando definitivamente o sobrenome com a grafia atual e dedicando-se à agricultura. Como era comum entre os pequenos trabalhadores, alternavam entre as condições de colonos, meeiros e assalariados rurais, dependendo das circunstâncias econômicas. A ascensão social só se tornaria possível com o acesso às terras demaniais (propriedades do Estado) ou aos lotes distribuídos após a reforma agrária dos anos 1950. Um primeiro sorteio de terras ocorreu já em 1863, mas apenas após a Primeira Guerra Mundial houve ampliação real de acesso.
A família contemporânea
Parte da família permaneceu em Iotta. Entre os descendentes estão Amalia Langella, proprietária do restaurante e pousada L’Europa, e Francesco Martillotta, ambos trisnetos de Nicola. Amalia vive na antiga cantina de seu bisavô Antonio, enquanto Michele — filho de Francesco, nascido em 1902 — ainda mantém a casa ao lado do restaurante.
Segundo relatos, os Martellotta cultivavam azeitonas, uvas, figos, trigo, legumes e frutas, produzindo o próprio azeite de oliva e comercializando nas feiras locais. Criavam bois, carneiros e ovelhas, vivendo de forma autossuficiente nas encostas férteis de Iotta e San Marco Argentano.
Em Ioggi, distrito de Santa Caterina Albanese, também há descendentes diretos do ramo de Filippo, irmão de Biase e Antonio (do início do século XIX). A família continua presente na região, mantendo viva a memória do tronco comum que, há mais de 300 anos, se fixou entre o mar Tirreno e as montanhas de Cosenza.
Francesco Martellotta, filho de Antonio, nascido em 1902
Bisneta brasileira de meu bisavô Vincenzo, Janina visita o lugar regularmente e conhece Michele, único filho de Francesco ainda vivo e neto de Antonio. O primo de meu bisavô nasceu em 1879 e teve vários filhos: Giuseppe, Michele, Emilia, Carmela, Fiorina, Francesco e Teresina. Francesco ainda foi casado em segundas núpcias com outra Teresa. Sendo assim, toda a família em Iotta (zona rural de San Marco Argentano) é do ramo do primo de meu bisavô Vincenzo, sendo que tanto o ramo dele quanto o de Carlo Maria são praticamente desconhecidos por lá, por terem migrado há muitos anos (embora Aldo, pai de Janina, diga o contrário).
Árvore da família em San Marco Argentano no fim do século XIX
Janina também diz que plantavam azeitonas, uvas, figos, trigo, ervilhas, favas, berinjela, pimentão, maçã e caqui. Faziam o próprio óleo de oliva e vendiam tudo nas feiras de Iotta ou na principal, em San Marco. Tinham bois, carneiros e ovelhas também.
Michele, filho de Francesco, mostra cesta com avelãs
Em Ioggi, distrito de Sta. Caterina Albanese de onde vieram os pais e tios de meu bisavô Vincenzo, encontra-se pelo menos um Martellotta: Giacomo. Encontrei seu filho Michele no Facebook e descobriu-se que são do ramo de Filippo, outro irmão de Biase e Antonio de Casaletto do começo do século XIX, conforme já citado. Filippo já nasceu em Ioggi e, junto de Biase, ajudaram a povoar a cidade após o fim do sistema feudal, por volta de 1806, pois tiveram grande descendência por lá.
É preciso entender que, naquela época, as famílias que viviam no campo iam muito pouco para a "cidade". Por isso, o nome da comune é apenas uma referência, pois viviam mesmo dentro de seus vilarejos, indo para a cidade apenas para vender e comprar os produtos de que precisavam.