Martellotta na Calábria

O início

O sobrenome teve origens na Apúlia, provavelmente em meados do século XVI, com o Concílio de Trento. Os primeiros registros das famílias Martellotta encontrados na Calábria são do início do século XVIII, o que não significa que a família não estivesse lá antes. Ou seja, podem ter surgido independentemente da região vizinha, embora isso seja pouco provável. Porém, isso só será conhecido pesquisando-se os registros de batismo da Igreja, com autorização, uma vez que os registros civis em cartório só começaram no início do século XIX. 

Esses primeiros registros foram encontrados através dos processos de casamento dos casados no século XIX com pais falecidos, pois as certidões de nascimento e morte transcritas deveriam ser anexadas ao processo, todas em latim. Por não ser nobre, é muito provável que encontremos o 1º Martellotta logo após o Concílio de Trento, de 1564, que exigiu um sobrenome de família. Pode ter surgido em Alberobello, Apúlia, se espalhado pela região e migrado para a Calábria, na região de Cosenza. Houve uma grande migração da Apúlia para a Calábria durante os séculos XVII e XVIII devido às condições econômicas, superpopulação, conflitos e oportunidades agrícolas.

Nesta região, entre as vizinhas litorâneas Cetraro, Acquappesa e Guardia Piemontese, encontramos ramos da família que devem convergir para um ancestral em comum: Biaggio (ou Biase) (link do Family Search), nascido no final do século XVII com o sobrenome Martilotto (devido à influência espanhola já descrita). Provavelmente foi um dos primeiros nascidos na recém fundada Casaletto (atual Acquappesa), que parece ser o "berço" dessa família na Calábria. Porém, existe um ramo que parece ser independente na comune (pequena cidade) de Lago, também em Cosenza, com o sobrenome também grafado como Martilotto (link do Family Search). Alguns dos primeiros nomes dessa família de Lago no início do século XVIII foram Felice, Muzio e Bruno. As famílias se dividiam muitas vezes devido aos segundos casamentos ou relacionamentos extraconjugais.

Biaggio teve um filho chamado Bernardo, que nasceu por volta de 1710 em Casaletto. Bernardo casou-se com Barbera Mollo, de onde nasceram Serafino, Gennaro, Cristofaro, Saverio e Anna. É muito provável que Bernardo tenha tido um irmão de nome Angiolo, nascido por volta de 1720 em Casaletto. Angiolo aparentemente se casou três vezes, sendo a primeira com Rosa Pepe, de onde nasceu Carmina em 1748 em Cetraro e possivelmente Biase, nascido um pouco antes no mesmo local. 

Bernardo e Angiolo também devem ser parentes próximos de Giambattista, Stefano e Sabato, nascidos entre 1733 e 1750 nas mesmas três cidades já citadas. Alguns descendentes de uma família tiveram relacionamento com a de outra, o que só demonstra que eram próximos. Além disso, as cidades eram pequenas demais para terem ramos independentes da família. Podemos dizer que aqui a família se divide em "angelinos" e "bernardinos".

Biase, que deve ser o neto do seu homônimo do século XVII, é nascido por volta de 1740 em Cetraro, vizinha a Casaletto (atual Acquappesa), sendo provável filho do primeiro casamento de Angiolo. Deve ter sido pescador ou trabalhador do mar, assim como seus filhos Vincenzo e Angelo, que também nasceram lá, além de sua filha Candida.  Em Casaletto, nascem Biase (mais um) em 1798, Antonio em 1804 e Fortunata Nicoletta em 1807, filhos de Vincenzo.

Por volta de 1810, Vincenzo filho de Biase partiu para Santa Caterina Albanese, uma pequena cidade mais para o interior, de forte influência albanesa. Lá nasceram Filippo, em 1812 e Carlo Maria em 1816. Nesse mesmo momento, o sobrenome Martillotta aparece em San Marco Argentano pela primeira vez em um registro de nascimento de 1810 e no de casamento em 1815. A cidade ainda era chamada de Sammarco e é vizinha a Sta. Caterina Albanese. A primeira morte de um Martillotta foi registrada em 1811. Os documentos dizem-nos que Domenico, o primeiro Martillotta que foi a San Marco, era da comune de Fuscaldo, próxima de Acquappesa. Domenico era filho de Giuseppe, que por sua vez era filho do terceiro casamento de Angiolo, sendo então "meio primo" de Vincenzo. Os dois (Vincenzo e Domenico) devem ter partido do litoral para o interior na mesma época. 

Outro pioneiro de San Marco foi Sabato, filho de Salvatore, que por sua vez era filho de outro Sabato, provável parente dos demais. Essas pessoas e seus descendentes não tiveram mais registros em San Marco Argentano a partir de 1838. Quase todos os filhos morreram pequenos, provavelmente pela seca e malária. Podem ter sido colonos ou meeiros (dividiam os ganhos com o proprietário).

Os Martellotta originais de San Marco Argentano

Muito tempo depois, em 1873, encontramos novamente este sobrenome em certidão de casamento. Essa seria a primeira família Martellotta a ter descendência duradoura em San Marco Argentano. Eram três irmãos (Giuseppe, Nicola e outro Carlo Maria), filhos de Antonio e Maria Ambrosio. Antonio é filho de Vincenzo citado acima e que nasceu por volta de 1804 em Casaletto (atual Acquappesa). Giuseppe, Nicola e Carlo Maria são nascidos na contrada (distrito) de Ioggi, em Santa Caterina Albanese, vizinha a San Marco. Todos devem ter se mudado juntos no final da década de 1860, pois Antonio morreu em S. Marco em 1871, já casado com outra esposa devido à provável morte de Maria Ambrosio. 

Giuseppe se casa com Angela Zavatto em 1873, nascendo meu bisavô Vincenzo (seus irmãos mais velhos morreram ainda crianças). Em 1875, Carlo Maria se casa com Maria Rosalia Giulia Grecco, nascendo Luigino. Algum tempo depois, aparece Nicola Maria, que tem o 1º filho Antonio com Carmela Perrone. Os três primos nasceram no mesmo ano de 1879. Foi nessa década que o sobrenome passou a ser Martellotta nos registros.

Giuseppe e Nicola se estabelecem em Iotta, zona rural de San Marco, enquanto Carlo pode ter se estabelecido em Sagramento, outro distrito de San Marco. Todos como bracciali (trabalhadores agrícolas), sendo as esposas geralmente filatrici (costureiras). Nicola migraria para o Brasil em 1883 e Carlo logo depois.

Embora Santa Caterina fosse fundada por albaneses, os três irmãos viviam em Ioggi, que é um pequeno distrito de influência grega a caminho de San Marco. Por isso, não deve haver parentesco com albaneses, visto que emigraram da Albânia muito tempo antes (nos séculos XIV e XV), e têm uma cultura própria (Arbëreshë, albaneses italianos).

Como já visto, Giuseppe e Carlo Maria se casaram na década de 1870 em San Marco e, a partir daí, a maioria dos descendentes carregaram o sobrenome com a grafia Martellotta e passaram a ser contadinos (pequenos agricultores). Naquela época, eram raros os pobres que não eram colonos ou meeiros (dividindo os ganhos com o proprietário) ou bracciali, que são trabalhadores agrícolas assalariados de alguma fazenda a valores miseráveis. Uma possibilidade de ascensão era através da chamada terra demaniale, de propriedade direta do governo, ou através de desapropriações de proprietários particulares ou da Igreja. Através de sorteio, essa terra era repassada ao colono para cultivo, mediante pagamento de anuidades. Houve um sorteio desses em outubro de 1863 em San Marco. Com o tempo, através de cessões, trocas, partilhas, matrimônios, abandonos, inadimplências, entre outros, essas terras poderiam ir mudando de dono. Uma última alternativa era o arrendamento direto com o proprietário, através do pagamento de aluguel. Ficou mais fácil adquirir terras somente após a 1ª Guerra Mundial e a reforma agrária só foi ocorrer nos anos 1950.

Muitos emigraram. Encontrei a trisneta de Nicola, Amalia Langella, no Facebook. Ela é proprietária do restaurante e pousada L’Europa em Iotta. Outro trisneto de Nicola, Francesco Martillotta (mesmo nome do avô citado abaixo) é nascido lá, mas vive na Sicília. 

Amalia e Francesco dizem que os antepassados não eram colonos, mas é possível que tenham adquirido a terra somente após a reforma agrária ou quando o bisavô Antonio retornou dos EUA. Os terrenos são vizinhos ao restaurante. Amalia reside hoje na casa que foi a cantina de seu bisavô Antonio. 

Francesco Martellotta, filho de Antonio, nascido em 1902

Bisneta brasileira de meu bisavô Vincenzo, Janina visita o lugar regularmente e conhece Michele, único filho de Francesco ainda vivo e neto de Antonio. O primo de meu bisavô nasceu em 1879 e teve vários filhos: Giuseppe, Michele, Emilia, Carmela, Fiorina, Francesco e Teresina. Francesco ainda foi casado em segundas núpcias com outra Teresa. Sendo assim, toda a família em Iotta (zona rural de San Marco Argentano) é do ramo do primo de meu bisavô Vincenzo, sendo que tanto o ramo dele quanto o de Carlo Maria são praticamente desconhecidos por lá, por terem migrado muitos anos (embora Aldo, pai de Janina, diga o contrário).

Árvore da família em San Marco Argentano no fim do século XIX

Janina também diz que plantavam azeitonas, uvas, figos, trigo, ervilhas, favas, berinjela, pimentão, maçã e caqui. Faziam o próprio óleo de oliva e vendiam tudo nas feiras de Iotta ou na principal, em San Marco. Tinham bois, carneiros e ovelhas também.

Michele, filho de Francesco, mostra cesta com avelãs 

Restaurante de Amalia e casa de Michele à esquerda, que foi de seu pai Francesco (clique na imagem)

Casas de Antonio primo de Vincenzo, vizinhas a de Michele (clique na imagem)

Restaurante L’Europa e casas da família. Os terrenos com as plantações se estendem ao fundo (clique na imagem)

Em Ioggi, distrito de Sta. Caterina Albanese de onde vieram os pais e tios de meu bisavô Vincenzo, encontra-se pelo menos um Martellotta: Giacomo. Encontrei seu filho Michele no Facebook e descobriu-se que são do ramo de Filippo, outro irmão de Biase e Antonio de Casaletto do começo do século XIX, conforme já citado. Filippo já nasceu em Ioggi e, junto de Biase, ajudaram a povoar a cidade após o fim do sistema feudal, por volta de 1806, pois tiveram grande descendência por lá.

É preciso entender que, naquela época, as famílias que viviam no campo iam muito pouco para a "cidade". Por isso, o nome da comune é apenas uma referência, pois viviam mesmo dentro de seus vilarejos, indo para a cidade apenas para vender e comprar os produtos de que precisavam.